Fundamentos ICP OES

Fundamentos de espectrometria de emissão óptica com plasmas indutivamente acoplado (ICP OES)

Marina Colzato

1. Introdução

O princípio desta técnica envolve a medida da radiação emitida quando átomos e íons excitados por radiação de um plasma retornam ao estado fundamental. A principal característica do ICP é marcadamente ser multielementar. Este potencial deriva do fato de que as radiações usadas para obter informação qualitativa e quantitativa são emitidas do plasma ao mesmo tempo. A técnica ICP OES (acrônimo do inglês para espectrometria de emissão ótica com plasma indutivamente acoplado) tem sido usada para determinações de mg/L ou µg/L, majoritariamente em amostras líquidas com sistema de introdução de amostra com nebulização.

Apesar existirem de cerca de 70 elementos que podem ser determinados por ICP OES, alguns elementos não o podem, como os que entram naturalmente no plasma, como argônio. Elementos muito abundantes na atmosfera ou nas amostras podem apresentar limitações severas para quantificação, como C, H, N, O. Outra categoria com resultados insatisfatórios no ICP são elementos que tem energia de excitação muito altas, como os halogênios F, Cl, Br, I, que podem ser determinados, mas com limite de detecção elevado, insuficiente para a maior parte das aplicações. Limitações ocorrem, também, em elementos sintéticos que são tipicamente radioativos ou com curto tempo de vida.

O objetivo deste texto é fornecer informações sobre a técnica de espectroscopia de emissão óptica com plasmas. Serão abordados o histórico da técnica, a origem das linhas de emissão, instrumentação e suas variações, metodologia de análise, incluindo interferentes e controle de qualidade e, por fim, algumas características gerais complementares.

2. Histórico

Observações de emissão de luz relacionada com a composição de substância são descritas desde 1752, quando Thomas Melville, com apenas 26 anos, reportou a presença de uma luz amarela brilhante derivada do sódio emitida ao queimar uma solução de álcool e sal marinho. Acredita-se que se ele não tivesse morrido no ano seguinte, as análises espectroscópicas teriam um início mais cedo. Em 1860, Kirchhoff e Bunsen supuseram que o espectro obtido com uma linha estreita de chamas era produzido por átomos e não por moléculas, o que foi o início da compreensão do espectro de emissão. Eles inventaram um espectroscópio com a chama do hoje conhecido bico de Bunsen e um prisma, podendo identificar linhas de absorção e de emissão atômicas.

A temperatura foi um limitante para o desenvolvimento da técnica. Fontes de calor por chama e eletrotérmica desenvolveram-se, primeiramente, com temperatura de cerca de 3000K. Em 1964, Stanley Greenfield publicou um trabalho divisor de águas sobre o uso de plasma indutivamente acoplado em pressão atmosférica para análise elementar via espectrometria de emissão ótica. Comparado com chama, ele relatou que a fonte de plasma apresentou maior estabilidade, habilidade de superar interferências depreciativas causadas pela formação de compostos estáveis, capacidade de excitar vários elementos que não podem ser excitados pela chama convencional e incremento na sensibilidade de detecção. Em 1976 foram instalados os primeiros equipamentos comerciais no Brasil.

3. Origem das linhas de emissão

Quando o átomo no estado fundamental recebe energia da absorção de radiação eletromagnética ou colisão com outra partícula, alguns fenômenos podem acontecer. Os mais prováveis são que essa energia (ΔE) será usada para aumentar a energia cinética do átomo ou torná-lo excitado. Nesse processo de excitação, um elétron desse átomo é promovido do orbital do estado fundamental (E0) para um orbital de maior energia (E1), mais distante do núcleo. Se a energia absorvida pelo átomo for suficientemente alta, o elétron pode se dissociar do átomo, ocorrendo ionização. Íons podem passar pelo mesmo processo de absorção e emissão de radiação eletromagnética. O energia do processo de absorção e de emissão é dada por:

ΔE = E1-E0 = hν = hc/λ

Em que c = velocidade da luz no vácuo (3 x 108 ms-1), h é a constante de Plank (6,6 x 10-34 Js), ν é a frequencia e λ é o comprimento de onda.

Se a transição ocorre para o estado fundamental, tem-se a linha de ressonância. As linhas mais acentuadas para cada elemento são as linhas de ressonância dos estados de menor excitação. Essas linhas tem maior probabilidade de ocorrência e tem energia de excitação possível de ser atingida por processos de colisão.

Inúmeras transições eletrônicas são possíveis dependendo da energia fornecida aos átomos e íons gasosos no estado fundamental.

A ocorrência da transições, bem como sua intensidade relacionada a probabilidade, segue as regras de seleção. Essas regras são baseadas em dois números quânticos – momento angular orbital e momento angular de spin.

Uma transição é permitida por spin se os estados inicial e final possuem multiplicidade de spin iguais, ou seja ΔS=0. Em outras palavras, o elétron deve manter o momento angular de spin quando ocorrer a transição. Se tinha spin -1/2 no estado fundamental, a transição é permitida se continuar com  -½ no estado excitado. Da mesma forma, se S=1/2 no estado fundamental, deve ser ½ no estado excitado.

Já o momento angular de orbital deve ser Δl = ±1 para que a transição seja permitida, ou seja, a transição deve envolver apenas um número quântico, ou uma camada eletrônica por vez, tanto para excitação (+1), como para emissão (-1).

Na espectrometria de emissão atômica, a energia térmica do plasma é usada tanto para os processos de atomização e ionização como para a excitação dos átomos e íons gasosos.

Cada elemento tem várias linhas de emissão características, que são originadas das diferentes transições possíveis quando o átomo ou íon absorve a radiação do plasma. Os sinais das linhas de emissão de um mesmo elemento provem de transições distintas, com diferentes probabilidades de ocorrência.

O espectro de emissão proveniente do relaxamento das espécies excitadas é característico e permite identificação e quantificação dos elementos presentes na amostra.

4. Fundamentos da instrumentação

No equipamento, a amostra é inserida em um sistema de introdução de amostras, depois é seca, atomizada e excitada no plasma. Ocorre também ionização e excitação dos íons. A luz policromática emitida é separada pelo conjunto óptico e detectada.

Introdução da amostra

Sistemas de introdução de amostras para amostras líquidas (nebulização pneumática e ultrassônica), sólidas (eletrotérmica e ablação com laser) e gasosas (pneumática com geração de hidretos) são disponíveis comercialmente.

A amostra entra na tocha do plasma por meio de um tubo central, o que tem como maior tempo de residência na tocha e também a entrada da amostra não interfere da transferência de carga da bobina para a tocha.

Plasma

Os plasmas utilizados em espectroscopia são gases ionizados altamente energéticos, com temperaturas de cerca de 6000 0C. Produzidos, geralmente, a partir de gases inertes como o argônio, são mais quentes do que chamas e fornos sendo utilizados não somente para dissociar qualquer tipo de amostra, mas também para excitar.

O plasma por acoplamento indutivo se dá quando elétrons ejetados por uma faísca são acelerados por um campo magnético formado por uma corrente alternada na bobina de carga, que é uma bobina em espiral que rodeia a ponta da tocha. O fenômeno envolvido nesse processo é o Bremsstrahlung inverso, que é quando os elétrons aceleram por ganhar energia. Esses elétrons com alta energia, por colisão, estimulam ionização de outros átomos como uma reação em cascata. A descarga de plasma acoplado indutivamente é composta de átomos, elétrons e íons.

O plasma dessolvata, vaporiza, atomiza, ioniza e excita elementos que compõe a amostra.

A emissão da radiação ocorre quando os átomos e íons excitados relaxam para um estado de menor energia.

As amostras são carregadas para o centro do plasma por um fluxo de argônio no tubo central. A entrada da amostra no centro tem como vantagem maior tempo de residência na tocha e também a entrada da amostra não interfere da transferência de carga da bobina para a tocha.

O argônio é o gás mais usado para a formação de plasmas em equipamentos comerciais. As configurações de equipamentos de diferentes fornecedores apresentam tochas na vertical e na horizontal. A configuração horizontal acaba favorecendo depósito de resíduos da queima da amostra. Por outro lado, a tocha vertical apresenta menor estabilidade na introdução de amostra via tubo central.

O primeiro processo que ocorre no plasma de alta temperatura é a remoção o solvente do aerossol, a dessolvatação, deixando a amostra como partículas sólidas. Essas partículas são decompostas em um gás de moléculas individuais, que é a vaporização. Em seguida, ocorre a dissociação em átomos, ou a atomização. Esses processos ocorrem predominantemente na zona de pré aquecimento, na saída do tubo central. Depois disso, o plasma tem a função de excitação. Para alguns elementos, ocorre a ionização e a excitação dos íons.

A otimização dos processos de atomização e de ionização pode ser feita utilizando a razão da intensidade do sinal entre as linhas iônica e atômica do Mg. Para isso, são usadas as linhas: Mg II 280,270 nm / Mg I 285,213 nm, conforme proposto por Mermet, em 1991. Essa razão mostra a eficiência da transferência de energia do plasma para a amostra e os parâmetros operacionais devem ser ajustados para maximizar essa razão

Separação da luz emitida

Como as espécies excitadas no plasma emitem em diversos comprimentos de onda, a emissão é policromática e deve ser separada para permitir identificação dos elementos. Destaca-se que entre 160 e 190 nm ocorre absorção por moléculas de oxigênio, por isso é necessário purgar o ar atmosférico.

A luz passa do plasma para a ótica passando por um espelho que pode estar colocado na direção do eixo da tocha e que promove uma visão axial originada na tocha ou na direção perpendicular, que dá a visão radial da radiação da tocha, e a principal diferença entre essas geometrias, conhecidas como visões, é o caminho ótico.

Dentro da parte ótica, a radiação passa por um obturador que controla o tempo de exposição, depois para um colimador para obter feixe paralelo e atinge uma grade de difração, em que a radiação é separada segundo a equação:

nλ = d (senα + senβ)

Em que n é a ordem de difração, λ é o comprimento de onda, d é a distância das grades, α é o ângulo incidente na grade e β é o ângulo de saída.

Dois principais arranjos óticos são monocromador e policromador.

i) Monocromador (imagem)

O monocromador, apenas um comprimento de onda sai pela fenda de saída por fez. Na realidade, existe um pequeno intervalo de comprimento de onda de saída formando uma banda estreita, o Δλ, que é usado para medir a resolução do monocromador.

Num arranjo simples do monocromador, após a difração na grade, um segundo espelho côncavo focaliza o comprimento de onda definido pelo ângulo da grade na fenda de saída. Portanto, ao rotacionar a grade, o que altera o ângulo de entrada e de saída, altera-se o comprimento de onda difratado. Esse é o tipo de grade de difração usado em equipamento de leitura sequencial. Por isso, o tempo de determinação é função do número de comprimentos de onda selecionados para serem monitorados.

ii) Policromador (imagem)

O policromador tipo echelle é o mais usado atualmente. Foi desenvolvido na década de 50 e é composto por dois elementos dispersivos com grade de difração com fendas de larguras próximas do comprimento de onda da luz difratada.

Após a luz ser difratada pelo primeiro elemento dispersivo ocorre sobreposição das ordens espectrais n, conforme equação acima. Quando a radiação atinge uma segunda grade de difração ocorre uma sobreposição ainda maior. A grande diferença desse tipo de arranjo ótico, é que a saída é em 2D, separando a radiação por comprimento de onda e por ordem.

 

Fonte: https://www.analytica-world.com/en/whitepapers/126557/which-icp-oes-optical-technology-offers-superior-performance-echelle-or-orca.html

 

A densidade e o ângulo das ranhuras permitem difração de ampla faixa de comprimento de onda com uma ótica compacta. A determinação de todos os comprimentos de onda de interesse é feita de forma simultânea, por isso o tempo de aquisição do espectro independe do número de comprimentos de onda de interesse. Alguns equipamentos rotacionam a echelle para ampliar a faixa espectral.

Detector

A detecção é feita em um tubo foto multiplicador (PMT) ou técnicas avançadas de detecção, tais como dispositivos a base de silício chamados de dispositivos de transferência de carga. Esses dispositivos são sensíveis a imagens e compatíveis com a emissão em 2D da grade echelle.

5. Análise dos resultados

A identificação qualitativa se dá pela identificação da presença de linhas de emissão características do elemento de interesse. No geral, pelo menos três linhas são consideradas para confirmação da presença

A quantificação dos elementos em uma amostra desconhecida é feita comparando os sinais dos íons com o sinal de curvas analíticas ou padrões referência. As curvas analíticas multielementares podem ter faixa de trabalho linear de até 6 ordens de grandeza e a perda da linearidade em altas concentrações é resultado de processos de auto absorção.

É necessário checar a presença de interferentes nos sinais, que podem levar a erros sistemáticos. Uma forma usual para prevenir interferentes físicas, químicas e espectrais é checar os resultados de spike de matriz ou material de referência certificado, compatibilizar padrões e amostra e usar padrão interno.

Um documento muito completo que trata sobre qualidade analítica em ICP OES é o 6010D do conjunto de procedimentos Solid Wast-846 da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, a USEPA. Recomenda-se que esses procedimentos sejam seguidos para obtenção de resultados confiáveis e cientificamente válidos.

6. Considerações finais

A técnica ICP OES é fundamentada na determinação multielementar da composição da amostra pela emissão de átomos e íons excitados. Grades de difração são os componentes responsáveis pela radiação monocromática emitida. Trata-se de uma técnica analítica versátil e atraente para cada vez mais aplicações.